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segunda-feira, 25 de maio de 2015

A PEDAGOGIA DA DOR


As dores existenciais são uma realidade com a qual todo ser humano tem que conviver na sua trajetória de vida. Alias é evidente que cada pessoa tem a sua própria estação, os seus próprios dissabores.
No entanto as dores de um se encadeassem às dos demais, e, assim, sem padrão de identificação de algo comum nos detalhes, surge, todavia, algo comum no geral, que é a estação de dores diferentes embora existindo compartilhadas.
Assim é que existem as estações da vida em que aquele que tem medo enfrentará seus temores em razão da deliberação do inconsciente de não deixar de atender ao pedido de mais assombração, ainda que se chore dizendo que não se quer mais...
É no contexto da agendas das dores que se identifica “Os Cinco Estágios do Luto” (ou da Dor da Morte, ou da Perspectiva da Morte):
Negação e Isolamento: "Isso não pode estar acontecendo.";
Cólera (Raiva): "Por que eu? Não é justo.";
Negociação: "Me deixe viver apenas até meus filhos crescerem.";
Depressão: "Estou tão triste.”; Por que me preocupar com qualquer coisa?"; e
Aceitação: "Tudo vai acabar bem.".
O principio é aplicável a toda forma de rompimento grave: Divórcios, perda de emprego, luto por um ente querido, etc. Kübler-Ross sustenta que estes estágios nem sempre ocorrem nesta ordem, nem são todos experimentados por todas as pessoas, mas afirmou que uma pessoa sempre apresentará pelo menos dois.
O fato é que algumas pessoas imergem no estágio de luto e não conseguem submergirem sozinhas, porquanto aprenderam a conjugar o verbo sofrer como algo comum a sua existência

sábado, 16 de maio de 2015

O dia em que conversei comigo mesmo


Em meio à névoa ruça do banheiro me deparei com um vulto. Ele apareceu refletido no espelho; parecia marcado por rugas prematuras. Fechei a torneira do chuveiro com pressa. Tomado por uma coragem súbita, questionei o homem.
– Quem é você? O que faz aqui?
– Eu sou você, respondeu com autonomia. – Preciso lhe falar.
Perturbei-me com o seu aspecto. Ele se parecia com a imagem que guardei de meu pai. Como podia afirmar que era eu? Seus poucos cabelos pareciam mais gastos do que os meus. Tentei dissimular, mas o sujeito continuou a me espreitar de dentro do aquário – o espelho. Ele não parou de me encarar do seu mundo bidimensional. Sem medo, insisti.
- O que deseja dizer? Por que me olha assim?
– Estou inquieto com você, ele respondeu.
– Não preciso de sua piedade, retruquei.
Assustei-me. A pessoa me falava com contundência. Eu nunca era assim naquela hora da manhã. Protegido pela blindagem do vidro, eu me provocava a um monólogo. O outro me confrontava, sem medo:
– Tanta beleza pode aflorar do seu coração. A vida é tão rara.
Expulse os azedumes que têm força de lhe afogar. Se a vida é preciosa, cada dia merece ser vivido com simplicidade e ternura.
Estranhei. A pessoa que me passava o sermão era tão igual a mim. Sua voz ressoava por todo o banheiro. Repliquei com sarcasmo – talvez indiferença:
– Não consigo ter esperança em um mundo em que a diarreia ceifa milhões de crianças. A miséria africana me provoca indignação. Sou inconformado com a sorte dos palestinos. No meus país, tenho horror de dirigir à noite. Não me acostumo com roubalheira e desmandos públicos. Vejo o Brasil patinando na corrupção.
À medida que falava fui me aborrecendo. Mirei o espelho ainda mais de perto. Eu precisava calar a boca – que era a minha – do homem que tentava me dar bronca.
- Você se lembra de que estudou administração? Acrescentei mais argumentos: – Tolo, não percebeu o ranço fascista no modelo econômico estatizado e cheio de mega empreendimentos?
Ingênuo, você aceitou o endividamento do país como necessário para que obras faraônicas- estradas, estádios e edifícios das empresas estatais – mostrassem a suntuosidade de um regime truculento.
Aquele eu, que aparecia dentro do espelho, continuou a me encarar. O vapor do chuveiro ainda deixava a imagem meio nebulosa. A reação do homem veio um pouco mais tranquila:
– Lembre, Denison: só quem consegue se voltar para dentro de si encontra o seu inescrutável norte. As circunstâncias do país não foram suficientes para roubar o seu sentido de vida.
Não despreze o fato de que em meio à decepção, você aprendeu a amar, não parou de se arrepiar com o toque da mão amiga, despertou para o valor do silêncio e ainda nasceu para a poesia. Isso é viver. O horizonte utópico de nossos ideais estará sempre mais longe do que gostaríamos.
Não cedi. Embora interagisse apenas com um rosto que se parecia comigo, me mantive firme.
– Acreditei e me dediquei a uma missão que me feriu muito.
Abracei o que considerava essencial na mensagem do evangelho e fui magoado. Noto que depois de muito suar, gastar os melhores anos de minha vida pregando, ensinando e incentivando, contemplo uma acelerada vulgarização do sagrado.
Dói ver a comercialização cínica da fé. Parece que vale a pena ser superficial. A desilusão bateu na minha porta. Repito o Asafe bíblico: os espertos se multiplicam e os puros jazem no ostracismo; os soberbos prosperam de mãos dadas com os ímpios, e os humildes continuam uma minoria impotente.
A umidade do banheiro começou a se dissipar. Enxuguei o vidro. Com mais nitidez pude contemplar a pessoa que me inquiria. Não voltei atrás. Ele também não se intimidou. Com o olhar fixo em mim, voltou a se manifestar:
– Esperança é uma força que nos move a lutar, não porque vai dar certo, mas porque vale a pena. Os medíocres buscam a gratificação imediata dos seus atos. Os nobres pelejam pelo mero privilégio de se acharem dignos da causa a que foram convocados. Muitos já lutaram sem jamais alcançarem promessa alguma.
Lembre-se: mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos. Alguns foram torturados, não aceitando o seu livramento; outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões.
Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio de espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados, errantes pelos desertos e montes, pelas covas e cavernas da terra. Esses receberam o maior elogio da Bíblia: [Eles e elas foram] homens e mulheres dos quais o mundo não era digno (Hebreus 11.35-39).
Enquanto monologuei, afloraram em mim sentimentos ambíguos. Por um lado, percebi meu rosto marcado pelo desgaste do tempo. Precisei admitir que o meu espírito andava fadigado. Vi que a minha resiliência interior precisava ser renovada.
Saí do banheiro. Apressei-me em recitar um salmo como prece.
Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador” (42.5).
Intuí que Ele logo me respondeu com salmos:
Os pobres nunca serão esquecidos, nem se frustrará a esperança dos necessitados” (9.18); O cavalo é vã esperança de vitória; apesar da sua grande força, é incapaz de salvar. Mas o Senhor protege aqueles que o temem, aqueles que firmam a esperança no seu amor (33.17-18); Não confiem na extorsão, nem ponham a esperança em bens roubados; se as suas riquezas aumentam, não ponha nelas o coração(62.10); O Senhor se agrada dos que o temem, dos que colocam sua esperança no seu amor leal (147.11).
Saí para trabalhar. Antes, repeti em voz alta: hoje aprendi a crer apesar da desesperança.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Pessoas do mesmo sexo podem se casar?



Antes de falar de casamento ou matrimônio de pessoas do mesmo sexo, é preciso dividir o assunto em partes, perguntando primeiro "O que é casamento?" e depois "Quem une um casal?". Mas antes mesmo de responder a estas perguntas é preciso também entender que Deus enxerga a humanidade em duas classes, e estas não são por cor da pele, conta bancária ou opção sexual. Deus enxerga os homens como "salvos" e "perdidos". Isto fica claro quando o apóstolo Paulo escreve aos cristãos em Éfeso, mostrando que agora eles ocupavam uma posição diferente da que ocupavam antes.

"[Deus] vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também." (Ef 2:1-3).

A nova posição daqueles cristãos de Éfeso é a mesma de todo cristão, e contrasta com a posição de antes da conversão. Antes eles estavam espiritualmente mortos, andando segundo a moda deste mundo, em conformidade com "o príncipe das potestades do ar", que é Satanás, "do espírito que agora opera nos filhos da desobediência", isto é, nos que permanecem na incredulidade.

Para que eles não se enganassem achando-se melhores que os incrédulos, o apóstolo deixa claro que era esta a mesma posição que eles próprios ocupavam aos olhos de Deus, antes de terem sido salvos pela fé em Cristo:"Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também" (Ef 2:3).

Portanto, antes de continuarmos com este assunto de casamento gay é preciso que você decida de que lado está desta linha que divide a humanidade entre salvos e perdidos. Se você continua morto em seus pecados e andando segundo a moda do mundo, do qual Satanás é "o príncipe" (Jo 16:11), em desobediência a Deus e sua Palavra, e sendo guiado pelos desejos de sua carne e de seus pensamentos, a sentença é clara: Você é um "filho da ira" de Deus, ou seja, está debaixo do juízo de Deus que pode alcançá-lo a qualquer momento.

Antes de querer saber sobre casamento você precisará resolver a questão de seu destino eterno, pois casamentos só valem para esta vida. A solução para a eternidade está nos versículos seguintes que mostram também a quem os cristãos de Éfeso deviam a transformação que os tirou de uma posição e os colocou em outra:

"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie, porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas." (Ef 2:4-10).

Ou seja, não tinha sido por mérito que eles haviam sido transportados da posição de perdidos para a de salvos, mas por Deus e pela "misericórdia, peloseu muito amor com que nos amou...", pela "graça... pela sua benignidadepara conosco...", nos dando a salvação "por meio da fé..." que não veio de nós, mas foi um presente ou "dom de Deus". Tal salvação "não vem das obras, para que ninguém se glorie", pois "as boas obras" somente têm seu lugar após termos sido salvos, e não são boas obras nossas, mas "as quaisDeus preparou para que andássemos nelas".

Considerando que existe uma divisão tão clara que separa a humanidade entre salvos e perdidos, não é de estranhar que exista também uma divisão de opiniões quando o assunto é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas alguém poderia indagar que, se assim é, por que existem tantos cristãos favoráveis à gay? Estariam eles perdidos? Só existe alguém que tem competência para dizer quem é salvo e quem está perdido, e esse alguém é o Senhor. "O Senhor conhece os que são seus". Conhecer quem é ou não é de Cristo não é tarefa minha ou sua, mas é importante lembrar que o mesmo versículo fala da responsabilidade que têm aqueles que realmente são dele:"Qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade." (2 Tm 2:19).

Mas será que homossexualismo é iniquidade? Como meu assunto aqui é o matrimônio, e não o que hoje é chamado de "opção sexual", deixo a você a tarefa de descobrir na Bíblia o que Deus pensa do homossexualismo: Gênesis 19:5-7Levítico 18:22Levítico 20:13Deuteronômio 23:18Juízes 19:22-231 Reis 14:241 Reis 15:121 Reis 22:46Romanos 1:26-281 Coríntios 6:9-10,1 Timóteo 1:10.

Se eu fosse um homossexual não ficaria preocupado com o que as pessoas iriam pensar de mim. Pouco me importaria o julgamento que elas fizessem de mim. Eu não perderia meu tempo tentando defender minha posição ou tentando "convertê-las" à minha opção sexual. Eu me preocuparia, isto sim, com o julgamento de Deus, pois é este o julgamento que importa. Esse julgamento será baseado, não em um código civil, mas na sua Palavra. Jesus disse: "Se alguém ouvir as minhas palavras, e não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; A PALAVRA que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia." (Jo 12:47-48).



Mas vamos voltar às perguntas do princípio, "O que é casamento?" e "Quem une um casal?". Se temos por certo que o que Jesus diz é a verdade, então o melhor é perguntar a ele para ter estas respostas, e sua resposta é clara e não deixa dúvidas: "Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem." (Mt 19:4-6). Ele responde que casamento é quando o homem se une à mulher, e que essa união quem faz é Deus, e ponto final. Para um bom entendedor estas palavras deveriam bastar, menos para aqueles que não querem se sujeitar à Palavra de Deus. Neste caso, Jesus diz "quem não receber as minhas palavras... a palavra que tenho pregado... o há de julgar no último dia" (Jo 12:48).

Mas então por que tantas "igrejas" estão aceitando e até ministrando a união de pessoas do mesmo sexo? Bem, se as pessoas, individualmente, não querem se submeter ao que Jesus diz em sua Palavra, não é de espantar que pessoas, coletivamente, também não se sujeitem. Mas aí o problema tem também um outro lado, que é a falta de entendimento da segunda pergunta, "Quem une um casal?", para a qual a resposta é"Deus".

Com a criação de um clero na cristandade, coisa que não havia na doutrina dos apóstolos, foram criadas também atribuições para dar poder a esses clérigos, sejam eles padres ou pastores. Uma dessas atribuições foi a de unir as pessoas em matrimônio, o que costumamos chamar de "casar no religioso". Acontece que, nem no Antigo Testamento e nem no Novo, Deus concedeu a homem algum o poder de dizer "Eu vos declaro marido e mulher". Ou seja, não existe o tal "casamento religioso" praticado pelas religiões. É Deus quem une, não o homem. Havendo tal erro sido adotado na cristandade, as consequências vieram a seguir. Hoje muitas "igrejas" são coagidas a efetuarem o "casamento religioso" de pessoas do mesmo sexo para evitarem processos por discriminação.

O único ser humano com autoridade para dizer "Eu vos declaro marido e mulher" é o juiz de paz, nos países onde o casamento homossexual é legalizado. Mas neste caso o juiz de paz está celebrando um contrato ou união civil entre duas pessoas dentro da legislação humana. Esse "casal" poderá ser reconhecido legalmente com todos os direitos e deveres de qualquer sociedade civil.

Mas ninguém poderá dizer, com base na Palavra de Deus, que foi Deus quem uniu aquelas pessoas, porque não foi. Ainda que se prendam com algemas de titânio; ainda que obtenham certidão de casamento civil em todos os cartórios do mundo, ou se submetam a um "casamento religioso" em todos os templos de todas as religiões, mesmo assim Deus não as uniu. A condição explicitada pelo próprio Senhor Jesus foi de que para Deus unir um casal este seja formado por um homem e uma mulher. Ainda que o governo e a sociedade reconheçam e respeitem essa união, do ponto de vista do matrimônio instituído por Deus ela é tão legítima quanto uma nota de 3 reais.

Então os cristãos devem lutar contra o casamento gay? De maneira nenhuma. Se eu for passar férias na China seria loucura querer obrigar os chineses a falarem português, gostarem de samba e misturarem feijão ao arroz que já comem. Eu seria estrangeiro ali e não poderia dar palpite no modo de vida deles, nem em seu governo e instituições. Quando a Bíblia mostra que a humanidade está dividida entre salvos e perdidos ela também mostra que eles possuem diferentes cidadanias. O salvo não é deste mundo e sua cidadania é celestial. O perdido é deste mundo e sua cidadania é terrena.

Por que então existem tantos cristãos que fazem campanha contra o casamento gay e até perseguem homossexuais? Porque não entendem essa diferença e também porque são influenciados pela teologia adotada na maioria das religiões cristãs fundamentalistas. Essa teologia ensina erroneamente que a Igreja é apenas uma continuação de Israel. Considerando que Israel foi o povo que Deus escolheu para dominar a terra que recebeu de Deus, o raciocínio desses cristãos é que devem ter pela terra o mesmo zelo que tinha Israel, expulsando dela tudo o que for impuro. É uma espécie de compulsão por arrancar o joio do mundo para deixar só o trigo. Mas o que disse Jesus?

Usando de uma parábola para explicar o Reino dos Céus, ele disse que um inimigo semeou joio na seara de trigo do dono da fazenda, e seus servos perguntaram ao dono se deviam arrancar o joio. A resposta foi: "Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro." (Mt 13:24-30). O "Reino dos Céus" é a esfera da profissão cristã que é regida pelos céus, mas que está na terra e traz uma mistura de verdadeiros e falsos convertidos. Vivemos na época em que joio e trigo crescem juntos antes que os primeiros sejam destinados ao fogo e os últimos aos celeiros celestiais.

Desde os tempos da Idade das Trevas os cristãos que se acham herdeiros das promessas terrenas feitas a Israel se empenham em arrancar o joio e, em algumas épocas, a literalmente queimá-lo. Essa falta de entendimento nos leva também a deduzir que existam dois tipos de crentes, mesmo entre os que são verdadeiros e sinceros: os espirituais e os carnais. Por espirituais temos a figura de Abraão, um servo de Deus que entendeu que era peregrino aqui e devia habitar literalmente em tendas e longe das cidades. Já o seu sobrinho, Ló, representa o crente carnal, que vive por vista, e não por fé.

"Ló viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada... Então Ló escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu Ló para o oriente, e apartaram-se um do outro. Habitou Abrão na terra de Canaã e Ló habitou nas cidades da campina, e armou as suas tendas até [chegar em] Sodoma." (Gn 13:10-12).

Quando chegamos no capítulo 19, descobrimos que Ló não somente acabou habitando na cidade de Sodoma, de cujo nome e fama vêm os termos "sodomia" e "sodomitas", mas não contentou-se com isso. Ele acabou assumindo uma posição de juiz entre eles, pois quando Deus está para destruir Sodoma e manda anjos avisarem Ló, "vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma" (Gn 19:1). Na antiguidade a porta de uma cidade era como um tribunal de pequenas causas, onde os anciãos julgavam as disputas entre os cidadãos, contratos eram firmados e documentos autenticados (Dt 21:19; Js 20:4). Mais adiante os habitantes iriam jogar isso na cara de Ló: "Como estrangeiro este indivíduo veio aqui habitar, e quereria ser juiz em tudo?" (Gn 19:9).

Os cristãos que hoje se intrometem nos assuntos deste mundo, querendo ser vistos "assentados à porta da cidade" para julgar questões que não lhes dizem respeito, merecem a mesma repreensão que os sodomitas deram a Ló:"Como estrangeiro este indivíduo veio aqui habitar, e quereria ser juiz em tudo?" (Gn 19:9). Portanto, ao cristão não interessa com quem fulano ou sicrana dormem e se devem ou não se unir em matrimônio ou se a novela vai ou não exibir um beijo gay. Ele deve é cuidar de sua própria vida, e não querer obrigar os incrédulos a viverem do modo como acredita ser o correto. Isso seria como o turista brasileiro querer obrigar a introdução do feijão com arroz na merenda escolar da China. Ainda que eles aceitem mudar sua dieta, isso não fará deles brasileiros, do mesmo modo como um incrédulo que ande como cristão nunca será salvo por isso.

A parte que cabe ao cristão é ser um testemunho neste mundo, levar a Palavra de Deus em amor e compaixão aos perdidos, sejam eles gays ou héteros. O Senhor Jesus conversou normalmente com a mulher samaritana, o que surpreendeu os discípulos pois os judeus não conversavam com os samaritanos, e muito menos um homem judeu puxaria conversa com uma mulher samaritana e ainda mais de reputação duvidosa. Ao cristão cabe manter o seu relacionamento com o seu cônjuge dentro daquilo que Deus ordena e que "venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará." (Hb 13:4).

por Mario Persona 

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Um marujo em alto mar

Nas coordenadas 37 graus a sudoeste e 20 graus a nordeste, mar alto, navega um homem já adiantado em idade.
Desatento ao açoite do vento, ele medita. Está só. Vez por outra seus lábios se movimentam. A barba, grisalhada de três dias, mostra há quanto partiu de um porto seguro. Ele conversa com o nada. Mal se dá conta de que ninguém ouve o monólogo. Mas ele insiste, pois precisa falar a si mesmo.
Na aspereza das ondas, o viajante sabe: o oceano em que se navega para o interior de si é mais vasto do que o azul infindável que se alonga por todos os lados.
O sol arde, inclemente. O único tripulante do veleiro parece não se importar com a falta de norte. A pino, com raios perpendiculares, o sol nega a existência de lados. Na imensidão das águas desaparecem bifurcações, esquinas, encruzilhadas. Tudo o que é vasto não permite atalho ou caminho variado. As alternativas desaparecem. Qualquer opção surge como dever de seguir em frente. Tudo é, ao mesmo tempo, ocidente e oriente, norte e sul.
O marujo deriva? Não. Ele segue o curso do universo, que também se expande sem rota. Quem conhece o trajeto das galáxias? Aonde vão as estrelas?
O timoneiro ignora qualquer imperativo que a consciência sussurra. Na ausência de novo curso, ele pretende gastar o tempo em meditação. Devanear lixa as arestas agudas de um passado que insiste em não desaparecer – quinas que machucam feito saudade. Ele sabe que as pontas afiadas da saudade ferem como navalha.
E entre arriar a âncora da culpa ou seguir adiante, permitindo que a quilha do imponderável corte as águas, o capitão solitário da nau prefere deixar que a quilha cumpra o dever de rasgar o mar.
Súbito, o vento sopra com força. Uma tormenta se intromete, veemente, nos pensamentos soltos do marinheiro. Os arredores da embarcação se colorem de nanquim. O dia passa de incandescente a crepuscular. A noite se impõe, ligeira, fora de hora.
Resta ao velejador sair de seu estado contemplativo. Não há plano de fuga. É preciso improvisar. Ele encara a tormenta como se não tivesse experiência alguma. A sobrevivência se torna, então, guardiã de sua resiliência. De joelhos, ele procura empinar a vela – é preciso ser rápido; a borrasca pode rasgá-la de alto a baixo.
Uma melancolia, também súbita, vaza de seus olhos, pele e mãos trêmulas. (Vale lembrar: a tristeza dos marinheiros engana). Com as mãos feridas, o homem se reveste de obstinação. O semblante se torna arisco. Ele se agiganta. Da vaga espumejante, empluma-se uma nova Fênix.
Já não existe qualquer balbuciar nos lábios. Ele parou de sussurrar; o silêncio interior se torna necessário para virar matéria prima da ressurreição. Ao lutar, é preciso desdenhar da fúria dos raios e dos trovões. Dos ombros altivos, o navegador olha para cima, em busca de encontrar alguma réstia de luz vinda de fora.
Uma dor impensada, daquelas que assaltam os valentes, arqueia a suas sobrancelhas. Quem ousa encarar o imponderável se fragiliza. De resoluto, agora tem que enfrentar o assédio da fadiga. O mar crespo não dá trégua. A possibilidade de retornar ao porto se distancia e esperança passa a significar o dever de continuar. O salgado das águas se confunde com suas lágrimas, que por sua vez se misturam com o seu suor e apesar do gosto amargo que ficou na boca, ouve-se um grito: Continuarei.
O que dizer desse marinheiro anônimo? Deixe-o em paz, ele navega rumo ao seu destino.