Nós lemos
Mateus 5: 31 e 32 e pensamos nele com nossas categorias ocidentais, posteriores
à predominância política do Cristianismo sobre este lado do planeta, impondo
não uma nova consciência, mas apenas uma nova Moral.
Todavia,
quase nunca levamos em consideração o contexto no qual Jesus disse esta
palavra. Naqueles dias, embora a poligamia e a bigamia tão constantes no Antigo
Testamento ainda existissem, desde o exílio em Babilônia que ela vinha
diminuindo por questões econômicas, como é obvio! Todavia, ainda que ambas não
fossem a norma para a maioria, na prática, no entanto, era ainda uma
consciência prevalecente.
Prova disso
é que em João 8, no episódio da mulher adultera e Jesus, não se apresenta o
“homem” com quem essa “adultera”, adulterara. “Ele”, o homem, estava isento das
pedradas. Mas a mulher estava lá, seminua ou nua, exposta a todos.
Portanto,
quando Jesus diz que a Lei dizia que um homem poderia descartar a sua mulher
dando-lhe uma carta de divórcio, Ele falava isto a uma assembleia machista, que
praticava isto com muita alegria e facilidade. Tudo era motivo para se
divorciar. Literalmente, por qualquer motivo, como vemos em Joaquim Jeremias e
outros especialistas (Mt 19:3)
Isto para
não falarmos na briga doutrinária que havia, nos dias de Jesus, entre as
escolas de Shamai e Hillel em relação ao tema em questão. Era o reino da
banalidade relacional.
Nesse caso,
o que Jesus diz, levando-se em consideração o “contexto historio”, é
basicamente o seguinte:
1) Se, para
vocês, a mulher é adúltera quando trai o seu marido, dando-se fisicamente a um
homem, todavia, vocês, os homens, cometem muito mais adultério pelo modo
“natural” como olham e desejam mulheres (MT 5: 28);
2) Neste
mundo onde o homem “descarta” a mulher sem direitos a mesadas e a patrimônio,
estigmatizada pela Moral vigente e, praticamente, entregue a sobreviver como
pudesse a única clausula, de permissão ao divorcio era se a esposa traí-se o
marido; ou seja: “... em caso de adultério” (5: 32b). Nesse caso, o homem
poderia dar a ela carta de repudio e divorcio. Naqueles dias, mulheres não se
divorciavam dos homens. Era a Lei.
3) A razão,
portanto, tinha a ver com o estigma que a “repudiada”, a divorciada,
carregaria, naquela sociedade, daí para frente. Ao homem era permitido por
qualquer motivo desamparar a esposa, repudiando-a, e, então, depois disto,
era-lhe “lícito” escolher outra mulher e seguir adiante com sua vida. Não era
sempre bigamia, mas era sempre uma monogamia sucessiva. Ela era extremamente
praticada até que Shamai, um rabino, se levantou contra aquela injustiça,
discutindo os “motivos justos para dar uma carta de divorcio”, que, à
semelhança de Jesus, para ele, também era o adultério.
Todavia, a
preocupação era com o estado de desamparo no qual ficava a mulher
repudiada-divorciada, pois, para todos, ela passava a ser fadada a nunca mais
amar ninguém e nem ter ninguém, apenas porque alguém não a quis mais, por
qualquer motivo.
Esta é a
razão pela qual Jesus após denunciar o adultério subjetivo de todos os homens diz
que a preocupação era com expor a mulher a tornar-se adultera (Mt 5: 32c), e,
também com “aquele” que, porventura, à ela se ajuntasse, pois, ele também,
passaria a ser visto como o marido da repudiada.
Numa
sociedade onde o homem tinha todos os privilégios, incluindo o de ter uma
segunda esposa caso a pudesse sustentar, descartar a esposa e entrega-la ao
mundo com uma letra R, de Repudiada, escrita na testa, e, ainda, esperar que
ela vivesse de vento, expunha-a a tornar-se adultera—fosse pela necessidade de
ser sustentada por alguém, fosse pela realidade de ter encontrado alguém.
Assim, em Mt 5: 27-28, Ele iguala a todos no nível do adultério subjetivo.
Já em Mt 5:
31-32, Ele nos mostra como uma vítima da dureza de coração de um homem que
descarta e não cuida da vida humana que ao seu lado esteve pode, numa sociedade
regida pela Teologia dos Fariseus, ser ainda mais desgraçada.
O “repudio”
do homem tornava a mulher, no mínimo, uma “repudiada” e, no caso dela
prosseguir com a vida sem ter que se entregar à mendicância, e a exporia a ser
vista, para sempre, como adultera.
Dessa forma, Jesus afirma duas coisas:
primeira, a seriedade do vinculo entre dois seres humanos numa relação de
casamento; e, a segunda, a possibilidade de que a alma humana pudesse se
endurecer tanto, que usasse a do outro, e depois, simplesmente a descarta-se,
sem cuidado e sem proteção.
Em outras palavras: Jesus não entrou na questão da
Lei até Moisés teve mais de uma esposa, mas na questão da misericórdia, e,
sobretudo, no tema da descriminarão Moral do infeliz; e, também no tema da
Teologia dos Fariseus e a sua dureza predatória suas Leis de causa e efeito da
infelicidade, que, naquele caso, era uma Lei animal, que tratava a companheira
como lixo.
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