Os gregos nunca pensaram o amor como felicidade sem dor. Suas tragédias pereciam revelar que sem dor ninguém ama e nem vive; mesmo que por isto morra a morte dos amantes da vida que é vivida por amor.
"Tragédia grega!" — dizemos nós do que é amor impossível ou extremamente doído.
No entanto, justamente por esta razão o sentido de amor apaixonado foi objeto de pânico por parte deles. Estar apaixonado era estar louco; algo a ser evitado a todo custo; pois seria por tal entrega à loucura do amor que a pessoa experimentaria a tragédia; pois, para eles, amor era mais desejo e obsessão de posse do que qualquer outra coisa; apesar de Sócrates e Platão terem ensinado outra coisa.
Muito tempo antes dos gregos fugirem da paixão por estarem apaixonados pelas suas tragédias, houve um homem, chamado Sidarta, que vivia num lindo palácio. Seus pais queriam criá-lo longe das visões trágicas da existência. No entanto, um dia, ao ver pela primeira vez a vida que acontecia fora dos muros do palácio, o jovem Sidarta decidiu que conheceria aquilo de que tentavam poupar sua existência. E o que ele viu foi dor. Muita dor na existência. E nunca mais foi o mesmo. De fato, ofereceu seu ser à tarefa de descobrir um modo de diminuir a dor humana; depois é que alçou vôos mais altos, e percebeu a necessidade de “iluminação”.
No inicio, para ele, a equação era simples: as pessoas sofrem porque desejam; e desejam porque dão supremo valor à sua pessoalidade; assim, quanto mais pessoalidade apaixonada, mas dor haverá; e quanto menos disso houver, menos dor se manifestará na pessoa. Desse modo, o caminho de uma vida com ausência de dor, o que já seria felicidade, seria a via da diminuição da pessoalidade; a qual, só perderia seu poder se fosse derrubada pelas privações auto-impostas: como jejuns, desconfortos, mendicância, exposição às forças da natureza, e a aceitação resignada de todas as coisas. E por essa via Sidarta andou até à exaustão total. Foi apenas depois de muita meditação e conversas com pessoas de outras linhas e buscas, que ele apareceu com o “caminho do meio”, do equilíbrio, da harmonia, da moderação e do autocontrole; porém, sem as polarizações e radicalizações praticadas por ele quando escolheu sua primeira via. Entretanto, nem “o caminho do meio” o salvou do Nirvana, do Absoluto Impessoal, do Mar Eterno; pois, para ele, felicidade absoluta só poderia acontecer com a dissolvência total do ser no todo Existente, o qual, para ele, não era um Ser, mas um Tudo-Nada-Eterno. Daí, para mim, o Budismo não ser uma religião, originalmente falando, mas tão somente uma espécie de Psicologia do Profundo. Os seguidores de Sidarta, assim como os de Jesus, é que fizeram a perversão chegar ao seu clímax: o surgimento de uma religião.
Assim, falando já em Psicologia, dando saltos milenares, chegamos ao modo moderno de sentir o amor, a dor, a culpa, o medo, e outros monstros mais, os quais fazem seus ninhos no coração humano. De fato, seja qual for a linha terapêutica adotada, em suma, a psicologia e a psicanálise existem com a finalidade de ajudar o individuo a compreender de onde procedem suas dores, na esperança de que livre delas como assombrações, a pessoa encontre seu caminho de melhor existir. Não há uma proposta de felicidade na Psicanálise ou na Psicologia, mas há uma declarada esperança de alivio. E, dado ao modo como certos psicoterapeutas se tratam, e trama a ciência da alma que elegeram, pode-se dizer que, em muitos casos, tanto a Psicanálise como a Psicologia, são religiões da “Psique”.
Entretanto, como o século passado foi o século do analgésico e das drogas de alivio da dor, apesar da resistência inicial dos profissionais de linha mais psicologizada quanto à recomendação de medicinas químicas para seus pacientes, com o passar do tempo, e a pressão dos pacientes, quase toda terapia se faz acompanhar de algum alivio químico recomendado por algum psiquiatra.
Assim, seja fugindo da dor pela fuga do amor; seja fugindo da dor pela evasão parcial da realidade ou da pessoalidade; ou seja fugindo da dor tentando fazer as pazes com os monstros interiores; ou mediante o alivio químico, todos nós tentamos fugir da dor.
Ora, do ponto de vista do Evangelho, nenhuma das coisas acima mencionadas carrega o Caminho; mas, no máximo, uma via paliativa; mas que, pela Verdade de Jesus, ainda assim teriam que ser chamadas de vias de evasão da realidade.
O Caminho de Jesus no que se relaciona à dor, a partir do principio de que este mundo é um mundo de dores, já se tratava de algo que era; era algo auto-explicado. Pronto e ponto; sem maiores explicações. Afinal, para Ele, a existência era a explicação. Da mesma forma, Ele trata a constituição do ser humano como pervertida pelo egoísmo, e manda que o “si-mesmo” seja morto e crucificado. Entretanto, tal chamado à morte do “self glorificado” pelas fantasias das construções humanas, não equivalia a uma convocação a nenhum tipo de evasão da realidade, pois, é a Verdade-Realidade, o poder que liberta.
Assim, para Ele, o que teria que morrer era a fantasia. Em Jesus não há truques. Em Jesus não há mágicas, nem nos Seus milagres. É por esta razão que Ele chora diante da morte de um amigo e também ante o futuro de morte que aguardava Jerusalém. Também em Jesus o amor não tem que ser evitado; embora as paixões precisam ser educadas no amor verdadeiro; que é aquele que se dá.
Nele, também, banquetes não são evitados e casamentos devem ser celebrados. E o mais chocante de tudo é que Ele, que manda negar o “si-mesmo”, não tem nada contra o verdadeiro eu; dizendo de si mesmo a toda hora algum tipo de “Eu sou...” Assim, para Ele, é com a morte do “si-mesmo”, que é feito de ilusões, que o eu ressurge limpo e livre pela verdade-realidade.
Para Jesus, quando chega à hora da dor, ela tem que ser enfrentada, não evitada. Ele evita todas as dores desnecessárias, mas quando “é chegada à hora”, Ele mesmo sabe para onde andar. E isso não sem medo, pânico, dor, pavor, suores de sangue... Mas enfrenta... E vai...
E, ao final-eterno-começo, Ele não entrega seu ser ao Nirvana, ao Tudo-Nada, mas ao Pai; e ainda sabe dizer ao que sofria ao lado Dele, que naquele mesmo dia, a pessoalidade seria mais que pessoalidade, mas individuação plena (Paraíso); mostrando até o fim que não é a evasão da pessoalidade ou a fuga do amor ou ainda a compreensão do sentido da dor, o que salva, mas sim a confrontação da realidade, com a coragem de suar de modo não-zen, e de gritar as dores de quem às sente. Porém, em total amor confiante em Deus.
E tudo isto com a paz que Sócrates apenas sonhou em conhecer, e com a leveza que Sidarta na maior iluminação autodissolvente ainda não havia alcançado, e sem crises com o Pai por estar vivendo aquela Hora, como Freud ou Jung.
Aqui o filho freudiano não mata o pai; o pai-deus grego não mata o filho; e o eu não se dissolve como em Sidarta; porém, é o Pai quem dá o Filho; é o Filho quem se dá voluntariamente; e o Pai e o Filho são Um; não um Tudo-Nada.
Em Jesus nada é objeto de fuga, mas de toque transformador. Ele não busca o confronto, mas nunca foge dele. Ele abomina o narcisismo e o engano da luxuria embriagante, embora isso, para Ele, nada tivesse a ver com fato de rir, dançar, gargalhar, e ser bem-humorado, como bem humoradas são muitas de Suas falas e imagens, por vezes irônicas e até sarcásticas.
Sim, Ele não fica “zen” nem na hora de ser traído por quem comia de Sua mesa. Ao contrário, pede “pressa”.
Jesus é a pedra de tropeço para todos e é um golpe mortal no narcisismo de todos os humanos; pois, não se priva de nada e nem de ninguém; não foge da dor, antes vive para curá-la; celebra tanto a festa quanto a morte de um amigo com intensidades próprias; enquanto mandava tomar a cruz e segui-Lo, embora, no caminho com Ele, até a hora da cruz, todo andar foi na direção do que era vivo e humano; e feliz por apenas ser.
Seu modo de amar era diverso em seus aplicativos cotidianos, e variava de pessoa para pessoa, com toda propriedade. Ele ama tanto o “jovem rico” que o confronta até às vísceras; e ama tanto a “Samaritana” que pede dela o que Ele mesmo está louco para dar a ela: água. Ele vai de um “eu tão pouco te condeno”, para um “ai de vós fariseus”, sem dar explicações: a existência como ela é, e o coração que nela se faz sempre mostrar, já são a declaração filosófica.
E Jesus é assim tão diferente de Sidarta, dos gregos, dos Sábios da Alma, e de todos, não só porque Ele era Ele. Mas, sobretudo, em razão de que Ele era também a encarnação do paradoxo. Sim, Ele ensina que se pode ser feliz chorando, que se pode alcançar o inalcançável andando em humildade (sendo sempre ensinável), que se pode ter sede de justiça sem ser infeliz, que pela mansidão se conquistar tudo em verdadeira felicidade, e que até as perseguições injustas devem ser motivo de regozijo pessoal.
Para Ele a questão não estava em lugar nenhum que não fosse o olhar. É pelo modo de ver e interpretar, e é pelo interpretar que é filho do amor que se vincula à certeza de que Quem está Acima e Dentro não é Algo, mas Alguém-Pai —, que o olhar se ilumina; e pela sua luz, toda dor vira riqueza; e toda perda trás ganhos; e toda injustiça trás gloria; e todo abuso se torna um uso divino; e toda morte já não mata mais nada; a não ser a dor que já não dói com amargor.
Somente em Jesus o homem pode ser inteiro para viver Deus por inteiro, sem ter que deixar de ser quem é, sem ter que se dissolver ou evadir-se do real; nem tampouco tem que entender ou achar explicações para nada; pois, para Jesus, não importava quem pecou (Ele não buscou nenhum culpado, pois culpados somos todos), se um cego ou seus pais; o que importava era voltar a ver.
E quando lhe puseram à ponta de um caniço algo que lhe aliviasse a dor, como naquele tempo era uma praxe, Ele não aceitou; pois decidiu viver tudo com toda pessoalidade e lucidez. Por isso perdoa enquanto morre; conversa enquanto geme; dá instruções de amor enquanto agoniza; fala de sede enquanto morre; Experimenta Tudo (Está Consumado); e não vê nenhum problema em ver amor no Pai apesar da dor.
É por esta razão que os outros, por melhores que tenham sido, o por mais honestos e sinceros que tenham sido em suas buscas e esforços, são salvos por Ele. Os outros são humanos buscando luz. Ele é a Luz buscando os humanos. Ou outros eram homens. Ele é o Filho do Homem!
E, como já disse antes, se entendo só um pouquinho da alma de Sidarta e dos demais que mencionei, em qualquer tempo, se tivessem com Ele encontrado, deixariam tudo, e, em silencio, o seguiriam gratos. Afinal, Ele é a busca de todos os homens sinceros!