Quem quer que ajude outro na esperança de que isto lhe será crédito de
gratidão no coração ajudado, muito se frustrará; pois, quando a alma do ajudado
é doente de amargura, inveja e déficit de amor, toda ajuda será humilhante,
mesmo que a pessoa peça e agradeça, posto que no dia em que você não esperar
[possivelmente em dia de necessidade sua], tal ou tais pessoas se levantarão
contra você quase que com certeza.
Somente recebem ajuda como ajuda e com
alegria grata os que tiverem entendido o espírito da Graça de Deus no
Evangelho, ou aqueles que forem também capazes de, amando, fazerem a mesma
coisa por outros, e sem esperar recompensa.
Todo ajuda que espere recompensa, ou
que seja feita ao que a recebendo se sinta endividado ao que o ajudou,
produzirá um espírito perverso. Acerca de tal espírito se teria que perguntar à
pessoa amargurada pela bem recebido: “Por que a minha ajuda fez você me odiar
tanto?” — Porém, se assim você fizer perderá toda razão e será odiado com
“justa causa” pelo amargurado.
Entretanto, é bom que se diga que há
pessoas que somente ajudam se o ajudado ficar se sentindo em débito.
Nesse caso, tanto ajudador quando ajudado se merecem na amargura de dar e
de receber.
Só vale a pena ajudar as pessoas se
elas, à semelhança da recomendada ignorância de minha mão esquerda em relação
ao que faz a direita, não sentir que o que recebeu ficou como crédito para o
que ajudou, posto que o ajudador tenha se esquecido do bem como “bem” e dele só
tenha a memória da alegria de ter podido ajudar.
Em geral a pessoa que mais odeia uma
outra é a que foi muito ajudada; e, como disse, isso pode acontecer apenas em
razão do espírito amargo de quem recebeu. Porém, entre essas pessoas
encontram-se também as que se sentem ofendidas pelo referencial de vida e
coração de quem ajudou, ainda que também possam se sentir mal por causa de
simples inveja; ou mesmo em razão de se sentirem diminuídas pela necessidade de
necessitar de ajuda.
Ora, apesar desses riscos estarem
presentes em toda ação de ajuda, a recomendação do Evangelho é para se faça o
bem sem esperar recompensa, sem fazer o outro sentir-se endividado, e sem
“empréstimo”, pois, o ato de ajudar deve libertar o outro e não mantê-lo preso
à “gratidão dos amargurados”, que é ódio.
Se eu fosse parar de fazer as coisas em
razão do troco de amargura que posso receber [e já recebi aos milhares], há
muito que minhas mãos teriam secado quanto a terem vitalidade para ajudar.
Por isso se diz: “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”.
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