A Pedra e o Anjo
Quero compartilhar com vocês uma pequena história que
ouvi, pelos caminhos da vida. Não sei por que, mas senti uma vontade imensa de
fazer isso agora. Coisas do coração.
Conta-se uma história interessante sobre Michelangelo.
Dizem que o mestre do renascimento italiano andava pela
cidade de Roma, seguido por alguns alunos. Ao passar por um escombro, parou e
lhes disse: – Vejam! Ali se encontra um anjo! Os discípulos perplexos por nada
verem, perguntaram ao mestre onde ele estava vendo o anjo. Michelangelo respondeu,
dizendo: — Vejo-o aprisionado naquele pedaço de mármore jogado fora. Basta
tirar da pedra o excesso que o anjo aparece.
Entusiasmados com a ideia, os discípulos o ajudaram a
levar a pedra para o ateliê e o viram trabalhando intensamente por alguns dias.
Ao final, lá estava o anjo. Se a história é verdadeira ou não, pouco importa. O
que importa é a lição que ela nos traz – de fato a beleza se esconde. Para
tê-la é necessário o exercício da arte, e arte é o que sustenta a educação, a
pintura, a escultura, as relações pessoais; enfim, a vida. Transformar tudo em
arte, esse é o grande projeto dos relacionamentos humanos.
Fazer da vida algo belo é o desafio maior. Criar a
beleza é fruto da sabedoria. E viu Deus que isso era bom, já nos ensinam as
Escrituras sobre o ato criador. Trazer a beleza para fora, expô-la, nos faz
seres encantados. Transformar a vida em arte, no entanto, pressupõe
habilidades que a história da Pedra e do Anjo parece nos revelar.
A primeira
delas é ter uma mente restauradora. O pensamento que deve nutrir nossas
relações, mesmo nos momentos difíceis, é que tudo pode ser reconstruído.
Alimentar pensamentos assim nos torna artistas. Muito provavelmente
Michelangelo nutria, todo o tempo, uma visão de mundo de que tudo pode ser
construído, melhorado, embelezado –uma mente de artista.
Uma pedra jogada fora é algo mais que simplesmente uma
pedra jogada fora. Michelangelo era um edificador, alguém capaz de ver anjo em
pedra, capaz de tirar beleza de pedaços desprezados. Nem sempre temos a visão
de que as coisas podem ser construídas, restauradas, edificadas. Pensamos ser
mais fácil abandonar, jogar fora e comprar outro, novo.
Um aluno difícil, estigmatizado
por colegas e professores, torna-se uma pedra jogada fora. Um relacionamento caracterizado por
amarguras torna os atores pedras desprezadas. Uma emoção mal conduzida inviabiliza
várias oportunidades. Muitas vezes, diante de situações como essas, o que
fazemos, no máximo, é colocá-las no escombro. É mais fácil abandonar algo que
incomoda do que reconstruí-lo. Essa visão imediatista do mundo tira de nós a
competência restauradora.
A segunda habilidade, ter visão de futuro. A
incapacidade de ver o futuro torna nossas decisões expressões da ansiedade; faz
de nossas opções um grandioso apelo ao aqui e agora; tira de nós a perspectiva
do inefável. O anjo esculpido por Michelangelo preservou a pedra que estava no
lixo.
A visão de futuro nos capacita a ter esperanças. Os
olhos do futuro são menos imediatistas que os olhos do presente – nos fazem ver
possibilidades que agora aparecem apenas como pedra tosca jogada no lixo. Ver o
futuro é sonhar com a possibilidade. A própria natureza humana nos ensina isso. Quando vejo uma mulher grávida, sempre penso – ali vai
um extraordinário grito da esperança. Engravidar é ter visão de futuro, é
construir a esperança.
Pensar em nossos atos como construções de futuro imprime
outro significado às coisas. Corrigir um filho orientar um aluno, fazer uma
promessa, declarar um amor, plantar uma nogueira, são atos capazes de
configurar diversos futuros, conforme a natureza de nossa visão ou de nossos sonhos. Pensar em nós mesmos como construtores de futuro é elevar a vida ao mais alto
padrão estabelecido por Deus. É ser capaz de enxergar o que não se vê.
A terceira é a necessidade de conhecimento e estudo. Michelangelo
estava preparado para esculpir, conhecia a técnica, exercitava-se nela. Quanto
mais estudo, mais competência. A criação surge sempre de uma mente preparada.
As oportunidades pousam em mentes abertas. A ideia de que
algo possa acontecer sem preparação é infantil e pouco prática. Na melhor das
hipóteses, gera uma enorme frustração quando descobrimos que não percebemos as
oportunidades porque não tínhamos distinções capazes de vê-las. Nos dias de
hoje, a quantidade de informação disponível e a dinâmica das relações fazem com
que as possibilidades estejam presentes a todo tempo.
Vê-las é um
exercício da capacidade, da sensibilidade e de inspiração. No entanto, essas coisas
não são fruto de processos misteriosos, são, isso sim, resultados de muita
dedicação e aprendizagem. Existe por aí um universo a ser descoberto, muitos
anjos a serem libertos, muitas pedras a esculpir. Mas, uma das coisas que se
requer para tal façanha é estarmos preparados para enfrentar as pedras e
transformá-las em arte. Isso é fruto de trabalho, conhecimento e técnica.
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