Paulo nos diz que a queda de Satanás deu-se em razão da soberba; e quando assim afirma faz uma advertência quanto a que não se “ordenasse” ninguém espiritualmente imaturo para o ministério do serviço aos santos; ou seja: à Igreja.
Na realidade pouco se sabe sobre essa
“Queda de Satanás”, exceto pelas referencias arquetípicas que aparecem em
Isaías e Ezequiel, a primeira relativa à soberba de Babilônia e a segunda
concernentemente à soberba do Rei de Tiro.
No mais, não fosse pela alusão que
Paulo faz à soberba do diabo e sua queda [laço], pouco ou nada se teria, posto
que tudo o mais nos venha das construções judaicas extra bíblicas e do
aproveitamento delas pelos primeiros “pais da Igreja”.
No entanto, havendo, como de fato há a
figura real de Satanás, pouca coisa faz tanto sentido espiritual e psicológico,
como atribuir sua “queda” ao pecado da soberba; ou seja: ao seu Narcisismo; e,
nesse caso, a lenda grega do Narciso seria a versão não bíblica do fenômeno
satânico do auto-encantamento com a própria beleza, grandeza, poder e
formosura, o que refletiria o Inconsciente Coletivo Humano como fonte de
informação de tal ocorrência oculta nas sombras da Bíblia.
O fato,
todavia, psicologicamente, é simples: toda criatura dotada de dons especiais
corre o risco de surtar de paixão por si mesma!
E mais:
Seja isto relacionado
ao que quer que seja, porém, inevitavelmente este é um fenômeno que nunca se
desvincula dos poderes da genialidade, da inteligência, da beleza, da força de
persuasão, do charme encantador, do poder de influenciar, da capacidade de se
fazer maior, ou melhor, aos demais.
Entretanto, em nenhum espaço
psicológico tal fenômeno encontra melhor ambiente de expansão do que na
“vivencia do divino”; ou seja: na experiência do santo, do ungido, do
espiritualmente elevado, do superdotado de dons; sejam dons de sabedoria, de
conhecimento, de profecia, de milagres, de curas, de persuasão pela palavra...,
etc.
A alma
humana tem no Sublime que se aplique à criatura a sua maior e mais insidiosa
tentação!...
É quando a criatura se acostuma a ser
tão especial, que, não se esquecendo de si mesma, todavia, se esquece apenas da
Fonte de Origem da Graça que a tornou tão especial.
Este é o pecado da virtude; o pecado da
maravilha; o pecado da beleza [seja ela de que nível e perspectiva possam ser];
o pecado do poder que influencia e mobiliza; o pecado dos contemplados; o
pecado dos seres singulares; o pecado dos celebrados; o pecado dos ungidos; o
pecado dos profetas; o pecado dos líderes; o pecado dos que carregam oráculos;
o pecado dos mestres; o pecado dos gurus; o pecado dos mensageiros que passam a
crer que a mensagem é deles!
Ora, em qualquer ambiente da existência
tal pecado se oportuniza; porém, quando acontece de ele ser vinculado
explicitamente ao “divino”, então, sua potência e profundidade não têm termos
de comparação.
Um homem ou mulher belo; um indivíduo
rico materialmente; um político influente; um artista extraordinário; um
empresário de sucesso; um grande proprietário; que frequentemente se tornam
arrogantes, altivos, soberbos e enfatuados; porém, nunca no nível dos que
associam seus poderes aos da “divindade”.
Quando,
porém, a “virtude” decorre da “representação” de Deus na existência, então tal
surto se torna incontrolável em suas expressões de grandeza e delírio!...
Até mesmo os grandes reis e
imperadores, ou mesmo líderes políticos como Hitler, precisaram de alguma forma
de “unção divina” para que seus surtos de grandeza atingissem os níveis
satânicos que alcançaram; e isto pode ser verificado em exemplos que nos vêm da
antiga Suméria, dos gregos clássicos, dos babilônios, dos persas, dos romanos,
dos papas cristãos, dos profetas e mulás políticos do islã, ou mesmo dos
governantes políticos ungidos do protestantismo.
Entretanto, nada se compara em
dissimulação de virtude satanizada e oculta aos que exercem os papéis de
ungidos do Senhor nos ambientes da religião; seja ela grande ou pequena; seja a
partir de uma grande catedral ou no fundo de um quintal; seja com estolas e
aparatos ou apenas com chapéu de palha na cabeça; mas se o povo olhar para tal
pessoa como o representante de Deus, então, inevitavelmente Satanás ali
encontrará o seu lugar de instalação gradual e poderosa.
Daí a ênfase
do Novo Testamento ser no Corpo de Cristo, e não em indivíduos como expressão
de dons, carismas e poderes!
Sem que os dons sejam um exercício
coletivo de poderes e graças, no Corpo de Cristo, todos surtam e tudo se
sataniza. Sim; ninguém escapa!
Ora, até mesmo na coletividade do Corpo
de Cristo, sem que o espírito simples de diaconia e serviço sejam a regra
áurea, o surto inevitavelmente aparece; não na expressão do “eu sou”, mas na
ufania do “nós somos”.
Não foi à toa que Noé, o salvador do
mundo antigo tenha sido profanado sexualmente pelo seu filho Cão, pois, do contrário,
seria mais do era como homem aos nossos sentidos; ou que Abraão tenha vacilado
e duvidado, tomando Hagar para mulher, pois, do contrário, seria uma emanação
de Deus no mundo; ou que Moisés tivesse que ter sido relativizado pela
desobediência, não entrando na Terra da Promessa, pois, de outra feita, ele
seria o Cristo; ou que Jó tenha tido suas iras e raivas expostos ante a tortura
dos seus “amigos”, pois, sem que assim o fosse, ele nos seria “o varão de
dores, e que sabe o que é padecer”; ou que Davi, o homem segundo o coração de
Deus, tivesse que ter mostrado a sensualidade do seu coração de homem, pois, de
outra forma, seria o rei dos reis; ou, para não irmos longe demais, que Pedro
não tivesse negado e vacilado em algumas ocasiões, pois, em assim não tendo sido,
seria mesmo, para todos, o Papa dos Papas; ou que Paulo não tivesse que ter
carregado um espinho na carne, pois, de outro modo, seria um Médium entre o 3º
céu e os homens.
São as
revelações dessas desvirtudes humanas que salvam alguns humanos muito especiais
de terem o destino de Satanás!
Aquele, porém, que não confessa os seus
pecados, ou que não tem a benção de que eles sejam percebidos, ou que venha a
dissimulá-los muito bem, em geral demonizam-se gradualmente sem que o percebam;
e, mais adiante, tornam-se satanases de tropeço para si mesmos e para o povo.
Daí também a ênfase de Jesus em que o
maior se tornasse o menor; que o mais elevado fosse o servo de todos; que o
mestre fosse o que lavasse os pés dos demais; e, sobretudo, que se buscasse um
lugar de humilhação diante dos homens, para que pudéssemos ser exaltados diante
de Deus.
Sim; Jesus não apenas nos mandou sermos
humildes de espírito, mas mesmo ordenou que nos humilhássemos diante dos
homens; pois, do contrário, o coração de qualquer um viaja da vaidade à soberba
sem que a pessoa note.
É somente em fraqueza que o poder de
Deus pode se aperfeiçoar em nós; posto que a nossa natureza humana seja
essencialmente satânica quando exposta ao “divino” sem que o seja em fraqueza.
O caminho da glória de Deus em nós é o
caminho da nossa relativização consciente e confessada; bem como é a vereda do
gloriarmo-nos nas nossas próprias fraquezas; pois, somente assim, em fraqueza,
seremos fortes no poder de Deus.
Assim, somos remetidos para o caminho
da fraqueza, do arrependimento que se confessa, da debilidade que se declara,
da condição humana que não se esconde; e, sobretudo, somos remetidos a
buscarmos em nós “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”; a fim
de não cairmos no caminho satânico da usurpação do que é de Deus e em nós
esteja por Sua absoluta Graça.
Desse modo, quando vemos pessoas
exaltando seus dons, ou convidando outras para provarem de seus poderes
carismáticos; ou ainda: estimuladas pessoas a irem ao “lugar/divino/instituído
para a manifestação do poder de Deus; saibamos que estamos sendo cantados e
seduzidos pela voz do próprio Satanás.
Olhemos para Jesus, que nunca fez
propaganda de Si mesmo; e que não permitia que se divulgasse o que Ele mesmo
fazia; posto que andasse segundo o Pai, e não segundo o diabo.