O QUE É AUTOENGANO?
Se o conceito clássico
de Insanidade é
fazer sempre a mesma coisa aguardando um resultado diferente dos muitos
anteriormente alcançados [...] — então, Autoengano é fazer isto sem tal
consciência consentida; ou seja: sem os jogos da sorte,
como com frequência acontece com a Insanidade que faz a mesma coisa achando que
terá resultados diferentes apenas porque, conquanto a coisa seja a mesma, o
tempo é outro...; ou seja: tratando-se, nesse caso, de um novo jogo
ou de uma nova sorte.
Autoengano, portanto,
é a deliberação que
nos faz fazer algo que, consciente ou inconscientemente, suspeitamos que
não alcance os objetivos desejados, mas que, pela nossa boa intenção,
desta vez, estabelecer-se-á diferente apenas porque cremos
sinceramente que será diferente.
Autoengano, por tal
razão, é uma deliberação da fé/crença; a qual crê que a boa intenção mudará o
resultado das coisas!
Desse modo, podemos
dizer que autoengano é um ato de fé/crença que assola o ser bem intencionado!...
Assim também se pode
dizer que autoengano é uma deliberação das boas intenções, como se a
boa vontade tivesse o poder de mudar o significado das coisas,
independentemente de que as coisas tenham mudado ou não...
Autoengano não demanda
a conversão da pessoa/sujeito de nossa esperança; ou do objeto do vínculo por
nós pretendido; ou mesmo dos fatos em si [...]; mas, supostamente, depende
apenas da nossa boa intenção!...
Os agentes podem ser
os mesmos, mas se as intenções por nós auto definidas forem outras, nos parece
[ilusoriamente] que houve uma mudança radical e objetiva das coisas ou das
condições em questão.
Dessa forma, é o
autoengano que nos faz crer que as mesmas coisas ou pessoas, sem alterações
constatadas pelo tempo/fato/história — porém reunidas em outro tempo e outras
superficiais circunstâncias —, automaticamente nos
darão outro resultado [...]; diferente dos anteriores.
Pela mesma razão se
pode dizer que autoengano é uma decisão mágica da alma boa; a qual,
contra toda lógica e sabedoria, acredita que a boa intenção tem o poder de alterar a realidade,
a nossa e a do outro; ou mesmo tem a capacidade de transformar as
circunstancias implicadas na e da mesma decisão antes malfadada.
Autoengano, desse
modo, é a mais sutil e dissimulada magia da alma!
Sim, das almas boas;
posto que somente as boas almas sofram de tal esperança sem o peso da
sabedoria. Ou seja: em tal caso, o autoengano é a deliberação da boa intenção
apaixonada, ou crente de si mesma como fenômeno de sinceridade alteradora da
realidade [...]; e isto contra os fatos e a sabedoria impostos pelo tempo e
pelas experiências acumuladas.
Por tal constatação se
pode dizer que autoengano é a deliberação da paixão ou do capricho do ser
amante do bem, mas que ignora a realidade do outro ou das circunstâncias; ou
seja: dos agentes coadjuvantes de sua esperança; o qual é... [ou os quais são],
de fato, perversos agentes de sua ex-perança. Isto no caso de algo singular como um
“ex/qualquer/coisa”; e que, portanto, trate-se de um “ex” contra toda esperança
que se fundamente em fatos, mas apenas nas intenções mágicas do desejo
santificado pela boa vontade!
É em tal engano que as
almas boas caem todos os dias!
Sim, contra toda a
sabedoria, contra as advertências dos Provérbios da Vida, e contra todo acumulo
de entendimento! — lá se vão [...], aos milhares, santificando a insensatez
pelas boas intenções!
Daí o autoengano ser
tão sutil; posto que seja santificado pela boa intenção daquele que julga
que sozinho pode mudar uma realidade que implique em dois ou
até em muitos outros agentes envolvidos...
Todavia, apesar do que
já disse, devo acrescentar que o ser humano frequentemente recorre ao
autoengano como forma de auto-justificação, ou como alívio à frustração, ou
como consolação na carência afetiva ou sexual [todos no nível quase total da
inconsciência ou da quase total inadmissão consciente] —; isto, é claro, nos
casos vinculados a relações sem futuro de felicidade ou comprovadamente
inadequadas, mas que subliminarmente ainda se façam desejosas pela alma.
No caso do autoengano
como elemento de auto-justificação, normalmente se percebe na
alma uma
forte dose de direito que se sente sonegado.
Geralmente é quando o coração não foi de todo curado de algo pela total adesão
dos sentimentos ou desejos às razões da mente/consciente [...]; e, assim, a tal
coisa, pessoa ou experiência [...] em nós reaparece; e, para nós, se torna na
nossa necessidade oculta de a ela responder positivamente [...], como uma forma
de vingança
ambivalente do nosso inconsciente — ainda que não se dê conta
de tal sentir como forma ambivalente de vingança. Nesse caso, é como se a
decisão um dia assumida em relação ao afastamento que decorreu da percepção de
que tal coisa, pessoa ou experiência não nos serviam [...], volta sobre nós, só
que agora como raiva existencial dissimulada, em razão de que não se tenha
podido ter o que se almejava como um dia se pretendeu. Então a alma corre o
risco de ceder e recorrer ao que já se tinha dado como equivoco [...], pela
reação ambivalente e inconsciente da vingança em oposição à imposição da razão e dos fatos contra
as imagens de um sonho que não se realizou conforme os nossos sonhos. Assim,
a auto-justificação é
aquela que afirma
o capricho vingativo do desejo contra a existência e sua implacabilidade,
da qual dela um dia nos confessamos convencidos, embora não de todo.
Quando se abre espaço
para o
autoengano como forma inconsciente de alívio ante a frustração,
o mecanismo em operação não é vingativo, mas sim de profunda auto-piedade e
auto-vitimização. Não se trata de direito à vingança existencial contra a
implacabilidade da existência, mas sim de pena de si mesmo. Nesse caso, os
mecanismos psicológicos em operação são mais leves e sutis; posto que na
auto-vitimização inobjetiva [...] a alma apenas se adule como quem se embala em
sua própria orfandade de sonhos não concretizados.
Porém, quando se
recorre ao autoengano como expressão de carência afetiva e sexual,
as forças operantes na alma são fortemente pulsionais e, portanto, passionais
como cegueira de desejo[...]; o que faz com que o desejo seja em si
mesmo a razão de tudo; e, em tal caso, todos os mecanismos lógicos e todas as
razões cessam [...], dando-se assim espaço apenas à fome afetiva e ou sexual
como causa de si mesma; e ponto final.
Entretanto, essas
divisões são de natureza pedagógica, posto que por vezes os três fatores se
casem, um alimentando o outro; e, dessa forma, não sendo possível ao ente
auto-enganado, na hora de sua agonia, discernir o que lhe está a acontecer no
agitado mar das suas emoções e sentimentos. E, como já disse, tudo isto se
traveste de piedade ou bondade nos pretextos aos quais a alma se aferra a fim
de prosseguir no seu intento.
Por esta razão, devo
dizer que o
autoengano é a mais piedosa forma de dissimulação inconsciente; a
qual, em tempo de aviso [de terceiros], nunca é atendida [...]; e isto em razão de que para o bem intencionado tal “contraditório” lhe soe como uma heresia contra a boa intenção sentida como verdade e sinceridade inquestionáveis.
qual, em tempo de aviso [de terceiros], nunca é atendida [...]; e isto em razão de que para o bem intencionado tal “contraditório” lhe soe como uma heresia contra a boa intenção sentida como verdade e sinceridade inquestionáveis.
Assim, lutar contra o
autoengano de alguém é sempre como enfrentar esperanças [...] e descrer da
própria verdade instituída como desejo santificado pela boa intenção e pela
esperança bondosa do ser bom — e que deseja crer contra os fatos e a realidade.
Portanto, trata-se de uma batalha perdida!
Isso porque,
psicologicamente, o autoengano faz “edição inconsciente da realidade” [...], deixando
ficar na memória apenas aquilo que o “editor bem intencionado” da bondade [o
auto-enganado], arbitrariamente determine que sejam os fatos importantes e
essenciais da realidade a serem privilegiados para fins de adesão/edição [a
dele] da realidade —; e isto sem o peso do juízo e da culpa, como convém a ele
que seja.
E quem poderá
contraditar tal suposta “realidade” uma vez que ela se sacramente pela unção da
sinceridade auto-imposta?
É por esta razão que o
autoengano somente possa ser curado por um choque dolorido e dramático de
realidade; isto, ainda, se
o auto-enganado se
deixar conduzir minimante pela sabedoria...
Do contrário, mesmo em
tais ocasiões, a relutância de sua boa intenção o fará sentir-se traindo a si
mesmo caso renuncie ao seu intento [...]; ou seja: negando a
bondade que ele
ou ela projetaram sobre o “sujeito/objeto” de seu bem intencionado engano/santificado.
ou ela projetaram sobre o “sujeito/objeto” de seu bem intencionado engano/santificado.
De coração espero que,
sem autoengano, você tenha me compreendido; pois, de mim mesmo, sei que somente
o Espírito Santo pode nos guiar a toda Verdade e vencer em nós o autoengano!
O que aqui escrevi
[...] esclarece apenas aquele que não esteja em processo de autoengano; pois
sei que nada pode contra aquele que, pela unção das boas intenções, já tenha mergulhado nas
enganosas e ilusoriamente cristalinas águas do autoengano [...]; sejam quais
forem os seus pretextos de direito, piedade, bondade ou até de amor [...] aos
quais tenha recorrido a fim de dar prosseguimento à sua própria e dissimulada
vontade.
Nele, em Quem nunca houve nenhuma vitória da bondade mágica contra
a Realidade e a Verdade,
privilegiando qualquer autoengano,
privilegiando qualquer autoengano,
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